terça-feira, 9 de setembro de 2014

Cristais - Cruz e Sousa

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Sete damas - Alphonsus de Guimaraens

Sete Damas por mim passaram.
E todas sete me beijaram.
E quer eu queira quer não queira.
Elas vêm cada sexta-feira.
Sei que plantaram sete ciprestes.
Nas remotas solidões agrestes.
Deixaram-me como um mendigo…
Se elas vão acabar comigo!
Todas, rezando os Ste Salmos.
No chão cavaram sete palmos.

À meia-noite - Alphonsus de Guimaraens

Cheguei à meia-noite em ponto.
O caso deu-se como eu conto.
Cheio de lúgubre mistério…
Pois ela disse: “Ao cemitério
Vamos à meia-noite em ponto.”
E eu respondi-lhe: “Conto, conto
Contigo à meia-noite em ponto.”
Como eu sabia, ela outro amante
Tivera em tempo não distante.
Era já morto: eu uma esposa
Tinha também sob uma lousa.
E ela sabia desse amante.
Jaziam um do outro distante
O amante dela e a minha amante.
Bem não chegamos, os ciprestes
Agitaram as verdes vestes
Como arrojando-se de bruços…
Que ais de tristeza e que soluços
Gemeram tão verdes ciprestes.
Gemia o vento pelas vestes.
Verdes dos vírides ciprestes.
Paramos de repente à porta:
Eu era um morta, ela uma morta.
Tal foi a cena branca e nua
Que nós, clareados pela lua,
Olhamos bem ao pé da porta.
Eu era um morto, ela uma morta,
Sem movimento junto à porta.
Diante de nós, em frente, diante,
O amante dela e minha amante,
Espectros vis num mesmo quadro,
Vinham vagar, hirtos, pelo adro,
Diante de nós, em frente, diante…
O amante dela e a minha amante.
Riram, passando para diante.

Ismália - Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Deus do Mal - Cruz e Sousa


Espírito do Mal, ó deus perverso
Que tantas almas dúbias acalentas,
Veneno tentador na luz disperso
Que a própria luz e a própria sombra tentas.

Símbolo atroz das culpas do Universo,
Espelho fiel das convulsões violentas
Do gasto coração no lodo imerso
Das tormentas vulcânicas, sangrentas.

Toda a tua sinistra trajetória
Tem um brilho de lágrima ilusória,
As melodias mórbidas do Inferno...

És Mal, mas sendo Mal és soluçante,
Sem a graça divina e consolante,
Réprobo estranho do Perdão eterno!

Espírito Imortal - Cruz e Sousa


Espírito imortal que me fecundas
Com a chama dos viris entusiasmos,
Que transformas em gládios os sarcasmos
Para punir as multidões profundas!

Ó alma que transbordas, que me inundas
De brilhos, de ecos, de emoções, de pasmos
E fazes acordar de atros marasmos
Minh'alma, em tédios por charnecas fundas.

Força genial e sacrossanta e augusta,
Divino Alerta para o Esquecimento,
Voz companheira, carinhosa e justa.

Tens minha Mão, num doce movimento,
Sobre essa Mão angélica e robusta,
Espírito imortal do Sentimento!

Algumas aulas sobre Simbolismo.





Lua - Cruz e Sousa

Clâmides frescas, de brancuras frias,
Finíssimas dalmáticas de neve
Vestem as longas arvores sombrias,
Surgindo a Lua nebulosa e leve...

Névoas e névoas frígidas ondulam...
Alagam lácteos e fulgentes rios
Que na enluarada refração tremulam
Dentre fosforescências, calafrios...

E ondulam névoas, cetinosas rendas
De virginais, de prônubas alvuras...
Vagam baladas e visões e lendas
No flórido noivado das Alturas...

E fria, fluente, frouxa claridade
Flutua como as brumas de um letargo...
E erra no espaço, em toda a imensidade,
Um sonho doente, cilicioso, amargo...

Da vastidão dos páramos serenos,
Das siderais abóbadas cerúleas
Cai a luz em antífonas, em trenos,
Em misticismos, orações e dúlias...

E entre os marfins e as pratas diluídas
Dos lânguidos clarões tristes e enfermos,
Com grinaldas de roxas margaridas
Vagam as Virgens de cismares ermos...

Cabelos torrenciais e dolorosos
Bóiam nas ondas dos etéreos gelos.
E os corpos passam níveos, luminosos,
Nas ondas do luar e dos cabelos...

Vagam sombras gentis de mortas, vagam
Em grandes procissões, em grandes alas,
Dentre as auréolas, os clarões que alagam,
Opulências de pérolas e opalas

E a Lua vai clorótica fulgindo
Nos seus alperces etereais e brancos,
A luz gelada e pálida diluindo
Das serranias pelos largos flancos...

Ó Lua das magnólias e dos lírios!
Geleira sideral entre as geleiras!
Tens a tristeza mórbida dos círios
E a lividez da chama das poncheiras!

Quando ressurges, quando brilhas e amas,
Quando de luzes a amplidão constelas,
Com os fulgores glaciais que tu derramas
Das febre e frio, dás nevrose, gelas...

A tua dor cristalizou-se outrora
Na dor profunda mais dilacerada
E das cores estranhas, ó Astro, agora,
És a suprema Dor cristalizada!...

Amor volat - Pedro Kilkerry

Não, não é comigo que ele nasceu... A sua asa
Só a um tempo ruflou desse modo, tamanho!
Bateu-me o coração... E outro não sei que, estranho,
Rudamente o rasgou como o seu bico em brasa...

Entrou-mo todo, enfim, como quem entra em casa
E em meu sangue, a cantar, fez de um boêmio no banho!
Oh! Que pássaro mau! E eu nunca mais o apanho!
Vês: estou velho já. Treme-me o passo, e atrasa...

Olha-me bem, no peito, o rubro ninho aberto!
Hoje fúnebre, a piar, uma estrige ao telhado
E o meu seio vazio! e o meu leito deserto!

E vivo só por ver, como curvo aqui fico,
Esse pássaro voar largamente, um bocado
de músculos pingando a levar-me no bico!

Essa, que paira em meus sonhos - Pedro Kilkerry


Essa, que paira em meus sonhos,
Em meus sonhos a brilhar,
E tem nos lábios risonhos
O nácar do Iônio — Mar —
Numa fantasia estranha,
Estranhamente a sonhei
E de beleza tamanha,
Enlouqueci. É o que sei.
Ela era, em plaustro dourado
Levado de urcos azuis,
De Paros nevirrosado,
Ombros nus, os seios nus...
E que de esteiras de estrelas,
De prásio, opala e rubim!
Na praia perto, por vê-las
Vi que saltava um delfim
Que longamente as fitando
Alçou a cauda, a tremer
E outros delfins, senão quando
Aparecer.

Ritmo Eterno - Pedro Kilkerry


Abro as asas da Vida à Vida que há lá fora.
Olha... Um sorriso da alma! — Um sorriso da aurora!
E Deus — ou Bem! ou Mal — é Deus cantando em mim,
Que Deus és tu, sou eu — a Natureza assim.

Árvore! boa ou má, os frutos que darás
Sinto-os sabendo em nós, em mim, árvore, estás.
E o Sol, de cujo olhar meu pensamento inundo,
Casa multiplicando as asas deste mundo...

Oh, braços para a Vida! Oh, vida para amar!
Sendo uma onda do mar, dou-me ilusões de um mar...
Alvor, turquesa, ondula a matéria... É veludo,

É minh'alma, é teu seio, e um firmamento mudo.
Mas, aos ritmos da Terra, és um ritmo do Amor?
Homem! ouve a teus pés a Natureza em flor!

Violões que choram - Cruz e Sousa

Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações a luz da lua,
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos Nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram,
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas magoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.

Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho
Almas que se abismaram no mistério.

Sons perdidos, nostálgicos, secretos,
Finas, diluídas, vaporosas brumas,
Longo desolamento dos inquietos
Navios a vagar a flor de espumas.

Oh! languidez, languidez infinita,
Nebulosas de sons e de queixumes,
Vibrado coração de ânsia esquisita
E de gritos felinos de ciúmes!

Que encantos acres nos vadios rotos
Quando em toscos violões, por lentas horas,
Vibram, com a graça virgem dos garotos,
Um concerto de lágrimas sonoras!

Quando uma voz, em trêmolos, incerta,
Palpitando no espaço, ondula, ondeia,
E o canto sobe para a flor deserta
Soturna e singular da lua cheia.

Quando as estrelas mágicas florescem,
E no silêncio astral da Imensidade
Por lagos encantados adormecem
As pálidas ninféias da Saudade!

Como me embala toda essa pungência,
Essas lacerações como me embalam,
Como abrem asas brancas de clemência
As harmonias dos Violões que falam!

Que graça ideal, amargamente triste,
Nos lânguidos bordões plangendo passa...
Quanta melancolia de anjo existe
Nas visões melodiosas dessa graça.

Que céu, que inferno, que profundo inferno,
Que ouros, que azuis, que lágrimas, que risos,
Quanto magoado sentimento eterno
Nesses ritmos trêmulos e indecisos...

Que anelos sexuais de monjas belas
Nas ciliciadas carnes tentadoras,
Vagando no recôndito das celas,
Por entre as ânsias dilaceradoras...

Quanta plebéia castidade obscura
Vegetando e morrendo sobre a lama,
Proliferando sobre a lama impura,
Como em perpétuos turbilhões de chama.

Que procissão sinistra de caveiras,
De espectros, pelas sombras mortas, mudas.
Que montanhas de dor, que cordilheiras
De agonias aspérrimas e agudas.

Véus neblinosos, longos véus de viúvas
Enclausuradas nos ferais desterros
Errando aos sóis, aos vendavais e às chuvas,
Sob abóbadas lúgubres de enterros;

Velhinhas quedas e velhinhos quedos
Cegas, cegos, velhinhas e velhinhos
Sepulcros vivos de senis segredos,
Eternamente a caminhar sozinhos;

E na expressão de quem se vai sorrindo,
Com as mãos bem juntas e com os pés bem juntos
E um lenço preto o queixo comprimindo,
Passam todos os lívidos defuntos...

E como que há histéricos espasmos
na mão que esses violões agita, largos...
E o som sombrio é feito de sarcasmos
E de Sonambulismos e letargos.

Fantasmas de galés de anos profundos
Na prisão celular atormentados,
Sentindo nos violões os velhos mundos
Da lembrança fiel de áureos passados;

Meigos perfis de tísicos dolentes
Que eu vi dentre os vilões errar gemendo,
Prostituídos de outrora, nas serpentes
Dos vícios infernais desfalecendo;

Tipos intonsos, esgrouviados, tortos,
Das luas tardas sob o beijo níveo,
Para os enterros dos seus sonhos mortos
Nas queixas dos violões buscando alivio;

Corpos frágeis, quebrados, doloridos,
Frouxos, dormentes, adormidos, langues
Na degenerescência dos vencidos
De toda a geração, todos os sangues;

Marinheiros que o mar tornou mais fortes,
Como que feitos de um poder extremo
Para vencer a convulsão das mortes,
Dos temporais o temporal supremo;

Veteranos de todas as campanhas,
Enrugados por fundas cicatrizes,
Procuram nos violões horas estranhas,
Vagos aromas, cândidos, felizes.

Ébrios antigos, vagabundos velhos,
Torvos despojos da miséria humana,
Têm nos violões secretos Evangelhos,
Toda a Bíblia fatal da dor insana.

Enxovalhados, tábidos palhaços
De carapuças, máscaras e gestos
Lentos e lassos, lúbricos, devassos,
Lembrando a florescência dos incestos;

Todas as ironias suspirantes
Que ondulam no ridículo das vidas,
Caricaturas tétricas e errantes
Dos malditos, dos réus, dos suicidas;

Toda essa labiríntica nevrose
Das virgens nos românticos enleios;
Os ocasos do Amor, toda a clorose
Que ocultamente lhes lacera os seios;

Toda a mórbida música plebéia
De requebros de faunos e ondas lascivas;
A langue, mole e morna melopéia
Das valsas alanceadas, convulsivas;

Tudo isso, num grotesco desconforme,
Em ais de dor, em contorsões de açoites,
Revive nos violões, acorda e dorme
Através do luar das meias noites!

Ironia de Lágrimas - Cruz e Sousa


Junto da morte é que floresce a vida!
Andamos rindo junto a sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubres e tredas
Das Ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos mundos risonhos!
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada cega!

O leito - Alphonsus Guimarães.

Ontem, à meia-noite, estando junto
A uma igreja, lembrei-me de ter visto
Um velho que levava às costas isto:
Um caixão de defunto.
O caso nada tem de extraordinário.
Quem um velho a levar um caixão tal
Inda não viu? É um fato quase diário
Em qualquer bairro de uma capital.
Mas é que ia de modo tal curvado
Para o chão, e afalar tão baixo e tanto,
Que, manso e manso, e trêmulo de espanto,
Fui seguindo a seu lado.
Disse-lhe assim: “Talvez seja demência
Quem guie os passos todos que tu dês;
Ou és então, na mísera existência,
Um miserável bêbedo, talvez.”
O olhar fito no chão, como desfeito
Em sangue,o velho, sem me olhar, seguia.
E ouvi-lhe a única frase que dizia:
— “Vou levando o meu leito.”

É o Silêncio... - Pedro Kikerry

    É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.  

Olha-me a estante em cada livro que olha.  

E a luz nalgum volume sobre a mesa... 

Mas o sangue da luz em cada folha.



Não sei se é mesmo a minha mão que molha 

A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.  

Penso um presente, num passado.  E enfolha 

A natureza tua natureza.

Mas é um bulir das cousas... Comovido

Pego da pena, iludo-me que traço

A ilusão de um sentido e outro sentido.

Tão longe vai!

Tão longe se aveluda esse teu passo, 

Asa que o ouvido anima...

E a câmara muda.  E a sala muda, muda... 

Àfonamente rufa.  A asa da rima

Paira-me no ar.  Quedo-me como um Buda

Novo, um fantasma ao som que se aproxima.

Cresce-me a estante como quem sacuda

Um pesadelo de papéis acima...

.

E abro a janela. Ainda a lua esfia 

últimas notas trêmulas... O dia 

Tarde florescerá pela montanha.



     E ó minha amada, o sentimento é cego...

Vês?  Colaboram na saudade a aranha,

Patas de um gato e as asas de um morcego.

Autores do simbolismo no Brasil - Pedro Kilkerry





Pedro Militão Kilkerry é o mais radical, o mais moderno dos poetas simbolistas brasileiros.

Filho de um irlandês e de uma mestiça baiana, Pedro Kilkerry formou-se em Direito pela Faculdade da Bahia. Foi boêmio, pobre e tuberculoso.

Os poemas de Kilkerry foram impressos em jornais e revistas da época, especialmente nas publicações simbolistas Os Anais e Nova Cruzada. O poeta não deixou obra editada. Sua poesia foi revelada por Jackson de Figueiredo no livro Humilhados e luminosos.

A primeira edição em livro de seus poemas deve-se ao poeta Augusto de Campos, que, em 1970, reuniu parte da obra de Kilkerry numa publicação do Fundo Estadual de Cultura de São Paulo. Anos depois, em 1985, a obra, ampliada, teria segunda edição pela Brasiliense.

Apesar dos poucos poemas que deixou, Kilkerry liderou o movimento simbolista baiano. Para ele, o "Inconsciente" era "um poeta simbolista".


“Na verdade, mais do que o exotismo de uma personalidade invulgar, Kilkerry traz para o Simbolismo brasileiro um sentido de pesquisa que lhe era, até então, estranho, e uma concepção nova, moderníssima, da poesia como síntese, como condensação; poesia sem redundâncias, de audaciosas crispações metafóricas e, ao mesmo tempo, de uma extraordinária funcionalidade verbal, numa época em que o ornamental predominava e os adjetivos vinham de cambulhada, num borbotão sonoro-sentimental que ameaçava deteriorar os melhores poemas.”  AUGUSTO DE CAMPOS 

Pedro Kilkerry deixou, além de poemas, artigos e crônicas. Faleceu durante uma operação de traqueotomia.

domingo, 7 de setembro de 2014

Vida obscura - Cruz e Sousa.

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém Te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!

Tristeza do infinito - Cruz e Sousa

Anda em mim, soturnamente, 
uma tristeza ociosa, 
sem objetivo, latente, 
vaga, indecisa, medrosa. 
Como ave torva e sem rumo, 
ondula, vagueia, oscila 
e sobe em nuvens de fumo 
e na minh'alma se asila. 

Uma tristeza que eu, mudo, 
fico nela meditando 
e meditando, por tudo 
e em toda a parte sonhando. 

Tristeza de não sei donde, 
de não sei quando nem como... 
flor mortal, que dentro esconde 
sementes de um mago pomo. 

Dessas tristezas incertas, 
esparsas, indefinidas... 
como almas vagas, desertas 
no rumo eterno das vidas. 

Tristeza sem causa forte, 
diversa de outras tristezas, 
nem da vida nem da morte 
gerada nas correntezas... 

Tristeza de outros espaços, 
de outros céus, de outras esferas, 
de outros límpidos abraços, 
de outras castas primaveras. 

Dessas tristezas que vagam 
com volúpias tão sombrias 
que as nossas almas alagam 
de estranhas melancolias. 

Dessas tristezas sem fundo, 
sem origens prolongadas, 
sem saudades deste mundo, 
sem noites, sem alvoradas. 

Que principiam no sonho 
e acabam na Realidade, 
através do mar tristonho 
desta absurda Imensidade. 

Certa tristeza indizível, 
abstrata, como se fosse 
a grande alma do Sensível 
magoada, mística, doce. 

Ah! tristeza imponderável, 
abismo, mistério, aflito, 
torturante, formidável... 
ah! tristeza do Infinito!

Ossa Mea - Alphonsus Guimaraens

II
Mãos de finada, aquelas mãos de neve, 
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve, 
Que parece ordenar mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve, 
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...

Mãos de esperança para as almas loucas, 
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes, 
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas, 
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...

Alma solitária - Cruz e Sousa

 Ó Alma doce e triste e palpitante!
 que cítaras soluçam solitárias
 pelas Regiões longínquas, visionárias 
 do teu Sonho secreto e fascinante!

 Quantas zonas de luz purificante,
 quantos silêncios, quantas sombras várias
 de esferas imortais, imaginárias,
 falam contigo, ó Alma cativante!

 que chama acende os teus faróis noturnos
 e veste os teus mistérios taciturnos
 dos esplendores do arco de aliança?

 Por que és assim, melancolicamente,
 como um arcanjo infante, adolescente,
 esquecido nos vales da Esperança?!

Soneto - Alphonsus de Guimaraens

Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto, 
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto, 
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.

Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranqüilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.

Encontrei-te. Depois... depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?

Ou sábado sem luz, domingo sem conforto, 
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira, 
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?

Hão de Chorar por Ela os Cinamomos - Alphonsus Guimaraens

Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão — "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria.. . "
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: — "Por que não vieram juntos?"

Autores do simbolismo no Brasil - Alphonsus Guimaraens



Alphonsus Guimaraens, pseudônimo de Afonso Henrique da Costa Guimarães nasceu em 24 de Julho de 1870. Formou-se em direito no ano de 1894. Em 1895 conheceu Cruz e Souza, tornando-se seu amigo pessoal. Em 1897 casou-se com Zenaide de Oliveira e posteriormente, em 1900, passa a exercer a função de jornalista colaborando em “A gazeta”, de São Paulo.
Alphonsus Guimaraens foi um dos mais importantes autores do simbolismo brasileiro, sua obra estava em grande parte relacionada com sua religiosidade católica além de apresentar várias outras características que estão contidas na escola simbolista, entre elas a subjetividade e o misticismo, com o constante aparecimento da morte como algo inevitável. Aponta-se a morte de sua noiva como um dos motivos pelos quais a morte chega a ser praticamente um objeto de adoração nas obras de Alphonsus.

Autores do simbolismo no Brasil - Cruz e Sousa





João da Cruz e Sousa nasceu em 24 de novembro de 1861, em Florianópolis (SC). Era filho de ex-escravos que conseguiram a alforria, e passou a ser criado por seus antigos proprietários. Foi diretor do jornal abolicionista Tribuna Popular em 1881. Dois anos mais tarde, foi nomeado promotor público de Laguna (SC), no entanto, foi recusado logo em seguida por ser negro. Foi casado com Gavita Gonçalves, com quem teve quatro filhos que morreram precocemente por tuberculose, deixando Gavita louca. O próprio Cruz e Sousa cuidou de sua esposa, e isso foi tema para muitos de seus poemas.
Cruz e Sousa é considerado o maior autor do simbolismo no Brasil, sendo também o autor das primeiras obras do movimento literário no país(Missal e Broquéis). Em sua obra estão presentes elementos como a morte, o espiritualismo e a sublimação sexual. Cruz e Sousa também demonstra em sua obra o conflito entre os planos material e espiritual, de forma que apresenta um caráter subjetivo característico da literatura simbolista.

- No plano temático: a morte, a transcendência espiritual, a integração cósmica, o mistério, o sagrado, o conflito entre matéria e espírito, a angústia e a sublimação sexual, a escravidão e uma verdadeira obsessão por brilhos e pela cor branca;
- No plano formal: as sinestesias, as imagens surpreendentes, a sonoridade das palavras, a predominância de substantivos e o emprego de maiúsculas, utilizadas com a finalidade de dar um valor absoluto a certos termos e o uso metáforas

Utilização da aliteração na literatura simbolista

Uma das características da literatura simbolista foi o uso da aliteração, figura de linguagem que consiste na repetição de elementos fônicos, ou seja, sons consonantais iguais ou semelhantes. Vejamos a utilização deste recurso no trecho do poema “Violões que choram” de João Cruz e Souza:

“...Vozes veladas, veludosas vozes, 
  Volúpias dos violões, vozes veladas, 
  Vagam nos velhos vórtices velozes 
  Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. 
  Tudo nas cordas dos violões ecoa 
  E vibra e se contorce no ar, convulso... 
  Tudo na noite, tudo clama e voa 
  Sob a febirl agitação de um pulso...” 

Simbolismo

                                    
Ao longo da década de 1890, desenvolveu-se na França um movimento estético a princípio apelidado de "decadentismo" e depois "Simbolismo". Por muitos aspectos ligado ao Romantismo e tendo berço comum ao Parnasianismo ("Parnasse Contemporain", 1866), o Simbolismo gerou-se quando escritores passaram a considerar que o Positivismo de Augusto Comte e o demasiado uso da ciência e do ateísmo (procedimentos do Realismo) não conseguiam expressar completamente o que acontecia com o homem e a Natureza.

A França foi o berço do Simbolismo, que se manifestou no satanismo e no spleen de As Flores do Mal, do poeta Charles Baudelaire; no mistério e na destruição da linguagem linear de Um lance de Dados e de Tardes de um Fauno de Stéphane Mallarmé; no marginalismo de Outrora e Agora, de Paul Verlaine e ainda no amoralismo de Uma Temporada no Inferno, de Jean Nicolas Rimbaud. Segundo algumas fontes, Edgar Allan Poe é considerado o precursor desse movimento, por ter influenciado nas obras de Baudelaire.

O Simbolismo chegou ao Brasil em 1893, com a publicação das obras Missal (prosa) e Broquéis (poesia), ambas de autoria de Cruz e Sousa, que é considerado o maior autor simbolista. Além de Cruz e Sousa, destacam-se Alphonsus de Guimaraens e Pedro Kilkerry

. Apesar de uma métrica definida, o simbolismo desrespeitava a gramática com intuito de não limitar o artista. 

- A poesia tem aproximação com a música, 

- Retorno ao mal do século, característica da segunda fase do romantismo, porém o simbolismo foi mais profundo no universo metafísico.

- Individualismo, atenção exclusiva ao próprios pensamentos, sentimentos, etc. 

- Obras baseadas na intuição, descartando razão e lógica

- Temas místicos, imaginários e subjetivos

- Uso de aliteração e assonância. 


Bem-Vindos.

Boa tarde galera, este blog foi feito com intuito de mostrar um pouco sobre o simbolismo, escola literária surgida na França em 1888, movida por ideias subjetivas, individualismo e o misticismo. As obras dessa escola são baseadas em temas que não tratam da realidade física, mas do misticismo, das coisas espirituais, mais abstratas. Mais detalhes sobre essa escola literária, você verá ao decorrer das postagens. Sejam Bem-Vindos.